sábado, 14 de fevereiro de 2009

Principezinho e a Raposa


- Anda brincar comigo, disse o principezinho. Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Há! Perdão, disse o principezinho.
Mas depois de ter reflectido acrescentou:
- Que significa «cativar»?
- Tu não deves ser daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que significa «cativar»?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procura de amigos. Que significa «cativar»?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa «criar laços…»
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim não passas, por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor… creio que ela me cativou.
- É possível, disse a raposa. Vê-se de tudo à superfície da terra…
- Oh! Não é na terra, disse o principezinho.
A raposa mostrou-se intrigada.
- Noutro planeta?
- Sim
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- A perfeição não existe, suspirou a raposa.
Mas voltou à mesma ideia:
- Levo uma vida monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas se tu me cativares, será como se o sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês lá adiante os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste. Mas os teus cabelos são cor de oiro. Por isso quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo…
A raposa calou-se e olhou por muito tempo para o principezinho.
- Cativa-me, por favor, disse ela.
- Tenho muito gosto, respondeu o principezinho, mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer muitas coisas.
- Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa. Os homens já não têm tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me.
- Como é que hei-de fazer? Disse o principezinho.
- Tens de ter muita paciência, respondeu a raposa.

Antoine de Saint-Exupéry
texto e ilustração, do livro O Principezinho

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

UMA PALMADA BEM DADA

É a menina manhosa
que não gosta da rosa,
que não quer a borboleta
porque é amarela e preta,
que não quer maçã nem pêra
porque tem gosto de cera,
que não toma leite
porque lhe parece azeite,
que mingau não toma
porque é mesmo goma,
que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
que tem medo do gato
e também do rato,
e também do cão
e também do ladrão,
que não calça meia
porque dentro tem areia,
que não toma banho frio
porque sente arrepio,
que não quer banho quente
porque calor sente,
que a unha não corta
porque sempre fica torta,
que não escova os dentes
porque ficam dormentes,
que não quer dormir cedo
porque sente imenso medo,
que também tarde não dorme
porque sente um medo enorme,
que não quer festa nem beijo,
nem doce nem queijo...

Ó menina levada,
quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
para quem não quer nada!
Cecília Meireles

ilustração, Alunos do Jardim-de-Infância do B.º Padre Cruz